quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Pe. Georges Lemaître, SJ

Pe. Georges Lemaître
 
Pe. Georges Lemaître, SJ, (Georges Henri Joseph Édouard Lemaître) nasceu em 1894, na Bélgica. Tendo iniciado o curso de engenharia aos 17 anos, na Universidade Católica de Louvain, precisou interromper seus estudos durante a Primeira Guerra Mundial, época em que serviu como oficial de artilharia no Exército da Bélgica. Após terminada a guerra, retornou aos estudos, porém agora em física e matemática. Em 1920 entrou também para o seminário, tendo sido ordenado padre em 1923.

Após sua ordenação, passou um ano em Cambridge com Arthur Eddington, após o que migrou para os EUA, tendo realizado medidas astronômicas no Observatório de Harvard, enquanto iniciava seu doutorado no famoso MIT (Instituto de Tecnologia de Massachussets). Sua tese intitula-se (traduzindo para português): "Aproximação de Funções de Várias Variáveis Reais". Paralelamente aos estudos teóricos, se familiarizou também com a parte experimental, observacional, na área de astronomia.

Sua vida foi dedicada tanto ao sacerdócio quanto à pesquisa científica. Conforme ele mesmo dissera: “Existem dois meios de se alcançar a verdade. Eu decidi seguir ambos”. Interessante, qualquer semelhança com o que diria o Papa João Paulo II em sua encíclica “Fides et Ratio”, não parece nem um pouco ser mera coincidência...

Em 1925, Pe. Lemaître retornou para a Universidade de Louvain, passando a desenvolver estudos sobre cosmologia, baseado na teoria da Relatividade Geral de Einstein. Pe. Lemaître foi um dos cientistas que propôs a ideia que mais tarde seria cunhada como Big Bang, para a origem do universo. Este foi mais um daqueles casos em que cientistas, trabalhando de forma independente um do outro, e sem tomarem conhecimento de que alguém mais trabalhava simultaneamente (ou quase à mesma época) na mesma ideia, publicam trabalhos semelhantes. Um dos casos mais famosos é o da invenção do Cálculo, por Leibinitz e Newton... Bem, mas retornando ao Pe. Lemaître, ele e outro cientista, um matemático russo chamado Aleksandr Friedman, propuseram a ideia, - apesar de que de formas diferentes -, de que o universo deveria ter tido um início, o que contradizia muito a ideia então aceita universalmente pela comunidade científica, de que o universo seria estático e eterno.

Como sempre na história, quando algum cientista propõe uma ideia que vai de encontro (ou seja, contra) uma ideia já estabelecida no meio acadêmico, sempre há uma grande resistência por parte desta mesma comunidade. Isto não é de todo ruim, afinal não é qualquer ideia que se proponha por aí que deve ser prontamente aceita pela comunidade científica. Esta sempre coloca um crivo pelo qual a nova ideia deve passar, e isto é bom para a ciência, na medida em que a protege de ideias fugazes. Bem, mas o outro extremo também não é saudável, aquele onde a comunidade seria tão rígida a ponto de rejeitar incondicionalmente uma nova ideia... afinal, uma nova ideia pode significar um avanço no conhecimento científico.

Este foi o caso, à época. Einstein, após propor a teoria da Relatividade Geral, havia ficado incomodado com uma consequência de sua teoria... a de que um universo estático estaria prestes a entrar em colapso a qualquer momento, devido à atração gravitacional mútua entre os corpos. É bem verdade que Newton também havia ficado incomodado com este “risco”, quando propôs sua teoria da Gravitação Universal. O que Einstein fez para “driblar” tal dúvida, foi arbitrar “uma tal” Constante Cosmológica, que seria uma força repulsiva permeando o universo, que se equilibraria com a atração gravitacional, impedindo, assim, um colapso.

Na verdade, tratava-se de um artifício matemático... Einstein ajustou a constante para que ela realmente equilibrasse a gravidade... recurso que ele mesmo confessou tê-lo incomodado. O que Friedman e Pe. Lemaître propuseram - cada um à sua maneira -, era a possibilidade de que uma expansão do universo, e não uma hipotética constante cosmológica, mantivesse o equilíbrio com a atração gravitacional, a fim de impedir um colapso. Bem... com a ideia de que o universo estaria em expansão, ficava claro também que ele deveria ter começado em um ponto... a partir do qual havia se expandido até então.

Pe. Lemaître usou o termo “átomo primordial” a esse minúsculo acúmulo de matéria e energia, cuja expansão havia resultado em tudo o que vemos hoje em dia. O importante é que essas ideias abalavam a ideia vigente até então, a de um universo estático e eterno, e que surgia a ideia de um início, ou, cá entre nós, criação. Até hoje, há quem combata esta ideia. Não generalizando, certamente alguns destes não admitem falar em um momento de criação, para não ter que admitir o Criador; talvez seja mais fácil, para estes, “endeusar” o universo, como se este fosse absoluto, e não Deus...

Procurado por Friedman, Einstein refutou categoricamente sua ideia. Logo após, foi procurado pelo Pe. Lemaître, que foi também inicialmente desencorajado. Friedman havia falecido, e Einstein informou ao Pe. Lemaître que seu colega havia proposto algo semelhante anos antes, dizendo: “Os cálculos dele estão corretos, mas a física é abominável”. Não é difícil imaginar o peso que tinha a opinião de Einstein, àquela altura... sua desaprovação a uma ideia significava a rejeição desta mesma ideia por parte da comunidade científica... aliás, o próprio Einstein havia sofrido também, inicialmente, esta rejeição por parte da comunidade científica, acerca de suas teorias revolucionárias. Foi somente em 1919 que sua teoria da Relatividade Geral passou a ser vista com bons olhos, a partir de uma comprovação experimental por meio de observação do desvio da luz das estrelas, devido à massa do sol. Esta observação foi realizada no Nordeste do Brasil! Mas essa é uma história à parte. Quem quiser saber detalhes sobre esta expedição de Einstein ao Brasil, pode consultar um texto no Museu de Astronomia a Ciências Afins (MAST), aqui.

Bem, foi também por meio de observações astronômicas que a ideia de um universo em expansão passou a ser aceita pela comunidade científica. Isto ocorreu com as observações de Edwin Hubble, que, a partir de observações iniciais de outro cientista, Vesto Slipher, acabaram por comprovar experimentalmente que as galáxias estavam afastando-se umas das outras. Suas observações foram realizadas com ajuda de seu assistente à época, Milton Humason. Hubble publicou dois artigos, um em 1929, e outro mais decisivo em 1931. Ele não quis fazer especulações sobre cosmologia, preferindo se concentrar nas medidas, deixando as conclusões teóricas para seus colegas. Bem, resumindo, a lei científica que descreve a forma como as galáxias se afastam umas das outras levou o seu nome: "Lei de Hubble".

O importante para nós, nesta discussão, é que isto se mostrou como uma comprovação de que, se as galáxias afastavam-se umas das outras, logo, em um tempo remoto, estavam mais próximas; recuando mais no tempo, chegamos a um ponto inicial onde toda a matéria e energia estariam concentradas em um ponto; o que essencialmente é a teoria do Big Bang.

Einstein, anos depois, prestou um reconhecimento ao Pe. Lemaître, dizendo sobre a teoria do Big Bang: “Esta é a mais bela e satisfatória explicação para a criação que eu já ouvi”. Cá entre nós, explicação científica... nós, interessados pelo diálogo entre ciência e fé, conjugamos verdade científica com verdade de fé.

Como curiosidade, o termo Big Bang foi usado ironicamente pelo cientista Fred Hoyle, que era contrário à sua ideia. Por fim, tragicamente (para ele), o termo que ele usou passou a ser usado para se referir à teoria rival à dele...

Pe. Lemaître faleceu em 1966, pouco tempo após saber da descoberta da “Radiação Cósmica de Fundo de Microondas”, que comprovava a sua teoria do Big Bang. Esta radiação foi descoberta acidentalmente pelos cientistas Arno Penzias e Robert Wilson, através de um ruído captado em um radiotelescópio. Inicialmente, acharam que se tratava de diversos problemas de interferência, até descobrirem que, na verdade, se tratava de uma radiação de fundo que permeava todo o universo. Esta coincidia com uma previsão do modelo do Big Bang, onde, após cerca de 300 mil anos do Big Bang, os elétrons haviam se combinado aos núcleos carregados, devido ao resfriamento do universo. A teoria previa que a luz que passara a se propagar através do universo, desde então - já que não interagiam mais com os elétrons livres e os núcleos carregados -, deveria estar hoje em dia na faixa de comprimento em torno de um milímetro, ou seja, na faixa de rádio - justamente a radiação que havia sido detectada por Penzias e Wilson no radiotelescópio. A teoria rival, do universo estacionário e eterno, não previa esta radiação. Logo, sua detecção era uma prova da teoria do Big Bang.

Cabe lembrar que a teoria do Big Bang nada tem de contrária à nossa fé; na verdade, como fala de um momento inicial, para nós pode ser perfeitamente entendido como o Fiat Lux!


Vale destacar que Pe. Georges Lemaître foi o segundo presidente da Pontifícia Academia de Ciências.

A seguir, algumas imagens do Pe. Lemaître. Espero que tenham gostado!




Nesta última, Pe. Lemaître ladeado por Robert Millikan e Einstein.

Robert Millikan foi quem mediu a carga do elétron. Einstein dispensa apresentações...

Referências:

Este texto foi baseado principalmente no livro:
- Simon Singh, Big Bang, Editora Record, 2006.

Mais informações sobre o Pe. Lemaître:
- Link para uma página sobre o Pe. Lemaître no site da Universidade Católica de Louvain, onde ele foi professor.

Sobre a comprovação da teoria da Relatividade Geral de Einstein no Brasil, as seguintes referências podem ser consultadas:
Alfredo Tiomno Tolmasquim, Einstein - O viajante da relatividade na América do Sul, Vieira & Lent, 2003.
- Jean Eisenstaedt e Antonio Augusto Passos Videira, “A prova cearense das teorias de Einstein”, Ciência Hoje, V. 20, N. 115, novembro de 1995.
Quem não tiver acesso ao artigo acima, pode consultar os textos disponibilizados no MAST, aqui.

(Correções na escrita, em 18/07/2017).

2 comentários:

  1. Esta é a prova de que ciência e religião não foram e nunca serão inimigas... a ciência não é um mal, o homem é que deve direcionar suas pesquisas para promover a vida.

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  2. Exatamente, Diác. Luiz Cláudio! O problema é quando se faz mal uso de um bem.

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