Amigos,
Em uma mensagem anterior, eu havia feito alguns comentários sobre a Carta Encíclica Fides et Ratio, do Papa João Paulo II. Nesta mensagem, eu continuo a partilha, escrevendo sobre um outro trecho que me chamou muito a atenção, sobre a razão humana no projeto originário da criação. Segue o texto:
FR 22.
“...o Apóstolo [São Paulo] exprime uma verdade profunda: por meio da criação, os ‘olhos da mente’ podem chegar ao conhecimento de Deus. Efetivamente, por meio das criaturas, ele faz intuir à razão o seu ‘poder’ e a sua ‘divindade’ (cf. Rm 1,20). Desse modo, é atribuída à razão humana uma capacidade tal que parece quase superar os seus próprios limites naturais: não só ultrapassa o âmbito do conhecimento sensorial, visto que lhe é possível refletir criticamente sobre o mesmo, mas, raciocinando a partir dos dados dos sentidos, pode chegar também à causa que está na origem de toda a realidade sensível...”
Ou seja: a razão, quando retamente usada, não só é capaz de desvendar os segredos do mundo natural, na busca pela verdade, mas também chega a vislumbrar a causa primeira de tudo; é capaz de entrever Deus e seu poder, a partir da própria criação. Mais ainda! No seu plano original, Deus nos havia concedido uma razão capaz de trilhar este caminho de forma bem mais natural do que experimentamos hoje; que infelizmente comprometemos cokm o pecado original. Vejamos:
FR 22. (sequência do texto anterior)
“Segundo o Apóstolo, no projeto originário da criação estava prevista a capacidade de a razão ultrapassar comodamente o dado sensível para alcançar a origem mesma de tudo: o Criador. Como resultado da desobediência com que o homem escolheu colocar-se em plena e absoluta autonomia em relação àquele que o tinha criado, perdeu tal facilidade de acesso a Deus criador.
O livro do Gênesis descreve de maneira figurada essa condição do homem, quando narra que Deus o colocou no jardim do Éden, tendo no centro ‘a árvore da ciência do bem e do mal’ (2,17). O símbolo é claro: o homem não era capaz de discernir e decidir, por si só, aquilo que era bem e o que era mal, mas devia apelar-se a um princípio superior. A cegueira do orgulho iludiu os nossos primeiros pais de que eram soberanos e autônomos, podendo prescindir do conhecimento vindo de Deus. Nessa desobediência original, eles implicaram todo homem e mulher, causando à razão traumas sérios que haveriam de dificultar-lhe, daí em diante, o caminho para a verdade plena. Agora a capacidade humana de conhecer a verdade aparece ofuscada pela aversão contra aquele que é fonte e origem da verdade.”
Vejam que maravilha! Deus previu uma razão humana que seria capaz de alcança-lo com muito mais facilidade (do que de fato experimentamos). A grande questão é: fazer um reto uso da razão; em um raciocínio mais amplo, fazer um reto uso dos dons que recebemos, dos bens, enfim. Nós sabemos - seja pelo ensinamento da Igreja, seja por nossa própria experiência -, o quanto pode ser prejudicial, a nós e a outras pessoas, quando se faz um uso inadequado de um bem: acabamos causando o mal. Há um paralelo entre as virtudes capitais e os pecados capitais: para cada caso, o reto uso de um dado bem significa virtude, enquanto o mal uso do mesmo bem leva ao pecado...
Deus concedeu ao homem este dom tão precioso: a razão. O grande problema ocorre quando, iludido pela capacidade de desvendar os segredos da criação, o homem se acha, conforme diz o texto da Fides et Ratio, autônomo em relação a Deus; como se Dele não mais precisasse. Aliás, a explicação do texto sobre o Gênesis é bem interessante também. Quantas vezes ouvimos as pessoas se referindo ao pecado original como se este fosse relacionado ao sexo... sem falar na maçã... Quando pequeno, eu ouvi barbaridades quanto a este tema. Graças a Deus, cheguei a conhecer a explicação por parte da Igreja. O pecado original foi justamente este orgulho, aliado à desobediência; o homem achou que poderia deixar seu Criador fora de sua história. A palavra “aversão”, no último parágrafo compilado da Encíclica, mostra justamente esta má inclinação do homem, de querer ser independente de Deus, o seu Criador.
Porém, Deus não nos deixa abandonados à própria sorte:
FR 22.
“A vinda de Cristo foi o acontecimento de salvação que redimiu a razão de sua fraqueza, libertando-a dos grilhões aos quais ela mesma se tinha algemado”.
A Revelação vem justamente nos ajudar na busca pela verdade. Trata-se, conforme já comentado na mensagem anterior, do conhecimento relacionado à fé, complementar ao da razão. Esta, deparando-se com suas próprias limitações, chega a um ponto em que deve abrir-se à fé, que nos traz as respostas que a própria razão não consegue encontrar; como por exemplo, o sofrimento. Cristo, na Cruz, é a resposta para estas questões. Vejamos:
FR 12.
“...Com essa Revelação, é oferecida ao homem a verdade última a respeito da própria vida e do destino da história: ‘Na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente’, afirma a Constituição Pastoral Gaudium et Spes1. Fora dessa perspectiva, o mistério da existência pessoal permanece um enigma insolúvel. Onde poderia o homem procurar resposta para questões tão dramáticas como a dor, o sofrimento do inocente e a morte, a não ser na luz de dimana do mistério da paixão, morte e ressurreição da Cristo?”
1Gaudium et Spes 22.
Que possamos sempre aliar estes dois dons, da fé e da razão, na busca pela verdade. Que não nos deixemos cegar pelo orgulho, mas nos reconheçamos dependentes de Deus criador. E que saibamos reconhecer o poder do Criador, através da beleza e da grandeza de sua criação.
Até a próxima!
Este texto é mais uma reflexão sobre o seguinte documento da Igreja:
- Carta Encíclica Fides et Ratio do Sumo Pontífice João Paulo II aos Bispos da Igreja Católica sobre as Relações entre Fé e Razão, 1998, (no Brasil, editado pela Paulinas). O documento está disponível também online, no site do Vaticano, conforme apontado pelo link.
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