sábado, 17 de dezembro de 2011

O Bóson de Higgs. Partícula de Deus...?

Caros,

Nesta última semana, os meios de comunicação divulgaram amplamente notícias sobre pesquisas do CERN - Organização Européia para Pesquisa Nuclear - relacionados à busca pela partícula "bóson de Higgs". A forma como as notícias têm sido veiculadas causa certa preocupação. Esta partícula, bóson de Higgs, vem sendo chamada equivocadamente de "partícula de Deus", o que pode causar grande confusão entre pessoas de boa fé, em especial pessoas "de fé", e também entre aqueles interessados por temas sobre ciências.

O bóson de Higgs é uma partícula elementar prevista teoricamente, mas que ainda não foi encontrada experimentalmente. Ela faz parte de uma bela teoria da física chamada "Modelo Padrão", que busca explicar a origem e comportamento de todas as partículas constituintes da matéria, assim como das interações básicas da natureza, ou seja, das forças ou campos: eletromagnetismo, e interações nucleares forte e fraca. Esta teoria não foi desenvolvida por um único físico, em particular, mas foi um desenvolvimento conjunto de vários cientistas ao redor do mundo, e é bela porque consegue explicar de forma muito satisfatória, e elegante, questões relacionadas a partículas e campos. Os cientistas vêm, ao longo de décadas, realizando experimentos com aceleradores de partículas cada vez mais potentes, que têm comprovado a existência de cada uma destas partículas previstas teoricamente pelo Modelo Padrão; com exceção do bóson de Higgs...

Aceleradores de partículas são dispositivos que aceleram íons ou partículas elementares a elevadas velocidades (e energias). No caso dos experimentos em física, os aceleradores, em determinados momentos, fazem com que os feixes de partículas aceleradas se choquem, gerando diversas outras partículas mais elementares, cuja análise pode comprovar a existência daquelas partículas previstas pela teoria. Em física, massa possui um equivalente com energia (dada pela famosa equação da teoria da Relatividade Geral, de Einstein, E = mc2); logo, para detecção de partículas com massas mais elevadas, é necessário produzir aceleradores cada vez mais potentes.

O bóson de Higgs leva esse nome em homenagem a um dos cientistas que propuseram sua existência, Peter Higgs, durante os anos 60, como uma explicação para o que até então era inexplicável: de onde vem toda a massa que compõe todas as outras partículas na natureza? Pois bem, estes cientistas propuseram, teoricamente, que haveria uma partícula de importância fundamental, que teria surgido pouco tempo após o Big Bang, e que seria responsável pela massa de todas as outras partículas. A (proposta da) existência do bóson de Higgs se encaixou perfeitamente na teoria do Modelo Padrão, tornando-o o elegante modelo que hoje é.

Bem, mas a existência do bóson de Higgs ainda precisa ser comprovada experimentalmente. A teoria prevê que esta partícula deveria possuir uma massa muito elevada. Logo, uma eventual detecção do bóson de Higgs requer experimentos que alcancem os níveis de energia elevados, necessários para a medida de sua massa.

Só recentemente foi possível construir um acelerador de partículas que alcançasse os níveis de energia necessários à realização de tal experimento: trata-se do LHC - Large Hadron Collider (Grande Colisor de Hádrons) - que faz parte do grande complexo do CERN. No LHC, prótons são acelerados a elevadas velocidades (próximas à da luz), fazendo com que se choquem, o que, nos níveis de energia alcançados, pode resultar na detecção do bóson de Higgs.

Bem... o que isso tem a ver com Deus...? Por que chamam o bóson de Higgs de partícula de Deus? Claro que, dado o objetivo deste Blog, nós que compartilhamos o interesse por ciência e fé temos a criação como obra do Criador. Porém, chamar uma partícula elementar de partícula de Deus pode causar a grande confusão de que haja algo de divino nela, ou que a descoberta de sua existência fosse uma comprovação científica da existência de Deus. E como ainda não conseguiram encontrar esta partícula - e nem se sabe se irão encontrá-la, ou mesmo se ela realmente existe -, associá-la a Deus pode confundir os menos avisados, levando-os a crer que uma eventual não descoberta desta partícula poderia de alguma forma colocar em cheque a fé.

Claro que não há nenhuma relação entre a descoberta desta partícula e fé, neste sentido. Sua descoberta não irá fortalecer a fé de ninguém em Deus, tampouco a descoberta de que ela não exista irá enfraquecer a fé de ninguém. Trata-se somente da tentativa de comprovar experimentalmente, a existência (ou não) de algo previsto em uma teoria. Se os cientistas encontrarem o bóson de Higgs, significa que o Modelo Padrão é realmente uma teoria que explica muito bem a existência e comportamento de partículas e campos da natureza. Porém, se não encontrarem o bóson de Higgs, isto terá efeito somente no âmbito da ciência, e não no da fé. O que acontecerá é que os físicos terão que buscar desenvolver outra teoria alternativa, ou melhorar a existente, para explicar a existência de massa de outra forma, que não seja a partir do bóson de Higgs. Nossa fé continuará inabalável!

Vejam, amigos, como é importante ser bem informado em questões de fé, e em questões que, eventualmente, possam se relacionar à fé.

As teorias científicas - em particular na física -, não são verdades absolutas, de forma alguma! As teorias constituem meios, tentativas, de explicar os fenômenos observados na natureza, e estão sujeitas ao conhecimento da humanidade no momento em que são desenvolvidas. Tempos mais adiante, os cientistas podem estender as teorias existentes, complementando-as, ou mesmo propor novas teorias completamente distintas das que existiam até então, para explicar os mesmos fenômenos. Um exemplo clássico disto é o que ocorreu em relação ao fenômeno da gravidade. Isaac Newton propôs, em 1666/67, a teoria da Gravitação Universal, a fim de explicar os fenômenos relacionados à gravidade, que perdurou durante muito tempo como sendo a teoria da gravidade. Dois séculos e meio adiante, em 1915/16, Albert Einstein propôs uma nova teoria, a Relatividade Geral, completamente diferente de sua antecessora, para explicar os mesmos fenômenos! Qual delas corresponde mais à realidade...? Como pode ser que duas teorias tão diferentes expliquem os mesmos fenômenos, em certa medida...? Isto ficará para um próximo texto.

Por ora, basta sabermos que teorias podem mudar, a fim de serem adaptadas a novos fenômenos observados, e isto é o trabalho da ciência. Porém, nada disso põe em risco a fé, que é outro campo do conhecimento, que se relaciona com a filosofia e a ciência em um belo diálogo, porém cada uma tem seu campo de atuação. A ciência tenta explicar como funciona o mundo à nossa volta; a filosofia trata das questões dos porquês, da existência; a teologia trata de questões de .

Espero ter podido contribuir e esclarecer. Até a próxima!

Complementando, cito alguns textos interessantes:

- Alexandre Zabot, "Colisões com a fé"; http://stalbertus.com/?page_id=108
(Modificação em 14/07/2012):
Infelizmente, o site "stalbertus.com", de Alexandre Zabot, está inacessível atualmente.

Este segundo, para os mais curiosos sobre o Modelo Padrão:
- Marco A. Moreira, "O Modelo Padrão da Física de Partículas", Revista Brasileira de Ensino de Física, Vol. 31, No. 1, 2009, pp. 1306.1 - 1306.11;
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1806-11172009000100006&script=sci_arttext ("pdf" disponível).

(Modificado em 03/01/2013):
Uma observação quanto ao Modelo Padrão, para deixar mais clara uma questão: este modelo não engloba todos os campos/forças da natureza, mas – como eu comentei no segundo parágrafo – eletromagnetismo, campo fraco e campo forte. O campo gravitacional não é abordado nesta teoria.

(Texto modificado em 13/07/2017, e em 18/07/2017).

3 comentários:

  1. "Como pode ser que duas teorias tão diferentes expliquem os mesmos fenômenos, em certa medida...? Isto ficará para um próximo texto."

    Olá, Salve Maria! Também sou católica e engenheira, e volta e meia dou uma navegada por assuntos que não estão ligados diretamente à minha profissão, mas que me interessam (ciência e religião).. Você teria algum texto que falasse a respeito do trecho citado acima entre aspas?

    Muito bom seu blog, Deus abençoe!

    Patrícia

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    1. Olá patrícia!

      Deus abençoe também!

      Que bom que você também tem interesse neste tema, sobre ciência e fé.

      Sobre o texto entre aspas, eu escrevi um outro texto no blog, depois deste, onde eu comentei mais sobre essa questão, entre os fenômenos naturais e as teorias que tentam explica-lo: “Teorias e realidade”, de 06/01/2012. Acho que você vai gostar de ler. Este texto tem reflexões pessoais, mas teve como base algumas outras referências que eu cito ao final do texto:

      - William R. Stoeger, As Leis da Natureza - Conhecimento humano e ação divina, publicado pela Paulinas, 2002;

      - Simon Singh, Big Bang, Editora Record, 2006.

      William Stoeger é um padre cientista do Observatório do Vaticano, Pe. William Stoeger, SJ, e ele fala justamente sobre as limitações e transitoriedade das teorias científicas, ao tentarem explicar os fenômenos naturais.

      Simon Singh escreve livros sobre divulgação científica, e neste livro, Big Bang, ele traça um histórico sobre a famosa teoria para o início do universo – que, diga-se de passagem, foi proposta também por um padre cientista, Pe. Georges Lemaître, SJ, sobre o qual eu também já escrevi no blog. No livro, Simon Singh explica a ação da gravidade, conforme a Relatividade Geral, com a ajuda da ideia da cama elástica e das bolas de boliche, etc..., exemplo que eu coloquei no meu texto do blog também.

      No meu texto “Teorias e realidade”, eu faço uma comparação entre a Gravitação Universal de Newton e a Relatividade Geral de Einstein, que servem para explicar os fenômenos da gravidade. São duas teorias bem diferentes, tentando explicar o mesmo fenômeno... justamente o que o Pe. Stoeger, SJ, fala em seu livro.

      Ontem naveguei novamente pela página de um professor de física da UFRJ, que tem trabalhos também relacionados a este tema. Lá você poderá ter acesso a alguns textos dele bem interessantes! Aliás, ele foi co-autor da Apresentação do livro do Pe. Stoeger, SJ! Seu nome é: Marcelo Byrro Ribeiro. Aqui na seção de respostas os links não funcionam. Mas você pode procurar no google, e clicar na página dele. Na seção “Publicações”, você encontrará bons materiais! Ele também foi pesquisador visitante no Observatório do Vaticano, e tem trabalhos publicados em co-autoria com alguns padres de lá.

      Espero que goste!

      Sua participação no blog é muito bem-vinda!

      Carlos Alexandre.

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    2. Patrícia,

      Complementando a resposta anterior, a gente não deve se esquecer de ouvir a Igreja, o que diz o Magistério. Logo, uma excelente fonte que trata sobre as questões do diálogo entre ciência e fé é a Carta Encíclica Fides et Ratio, do Papa João Paulo II, de 1998. Há um link para o documento no site do Vaticano; eu citei em algumas mensagens no blog, incluindo a penúltima: "A busca pelo conhecimento". Aliás, esta Encíclica trata do diálogo entre a fé e a razão; no lado da razão estão a ciência e a filosofia.

      Bom proveito!

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