Amigos,
Segue também a referência do artigo original, já que está disponível online:
- Thomas Bayes, (comunicado à Royal Society por Price), “An Essay towards Solving a Problem in the Doctrine of Chances", Philosophical Transactions, Vol. 53, p. 370-418, 1763.
Conforme eu havia comentado em um texto anterior, um dos temas que eu vinha pensando em escrever aqui no blog era sobre o caso de um pastor protestante que desenvolveu um teorema importante na área de probabilidade e estatística. Interessante como homens dedicados ao campo da fé, como sacerdotes católicos e religiosos, por vezes também têm forte atuação no campo científico, em diversas áreas. Nada há de contraditório nisto, conforme nós já sabemos. Porém hoje eu escrevo sobre um pastor... logo, também alguém dedicado às questões relativas à fé, que teve atuação importante em ciências.
Rev. Thomas Bayes foi um pastor presbiteriano do século XVIII. Nasceu em Londres em 1701, tendo falecido em 1761. Parece que ele desenvolveu o teorema que leva seu nome por interesse pessoal, uma vez que não chegou a publicar seu trabalho. Neste caso, é interessante notar que sua atuação na ciência diferiu um tanto da de outros homens que atuaram nos campos da fé e da ciência, como o Pe. Georges Lemaître, SJ, por exemplo, citado em texto anterior neste blog. Pe. Lemaître atuava paralelamente como sacerdote católico e como cientista, o que incluía um doutorado na área de exatas. Já o Rev. Bayes parece que não atuava regularmente no campo da ciência, tendo desenvolvido seu teorema em algum momento, porém não como parte de suas atividades rotineiras.
O teorema proposto por Bayes se tornou conhecido da comunidade científica através de outro pastor; este era também matemático, e chamava-se Richard Price. Bayes deixou, em testamento, seu artigo para Price, que o apresentou, após o falecimento de Bayes, na academia de ciências britânica, a Royal Society. O artigo chamava-se “An Essay towards Solving a Problem in the Doctrine of Chances” (Um Ensaio buscando Resolver um Problema na Doutrina das Probabilidades), no Philosophical Transactions da Royal Society; o artigo está disponível neste link.
O teorema de Bayes, também conhecido como regra de Bayes, é importantíssimo, sendo muito usado. Seu alcance chega até os métodos de classificação ou reconhecimento de padrões, com os quais nós tanto trabalhamos... muitos destes trabalhos são abordados atualmente por meio de técnicas de inteligência artificial. Muitas vezes nós usamos a regra de Bayes, implicitamente, sem nem nos darmos conta disso... Por outro lado, o desconhecimento deste teorema por parte de profissionais das áreas de saúde e justiça, pode levar a erros de diagnóstico e a resultados injustos em julgamentos...
Uma grande contribuição de Bayes foi permitir reavaliar probabilidades inicialmente estimadas, a partir de dados coletados experimentalmente. Ou seja, antes de se realizar experimentos para a coleta de medidas, as probabilidades inicialmente estimadas são chamadas probabilidades a priori. Após a realização de experimentos, as medidas coletadas podem ser usadas para corrigir ou atualizar os valores destas probabilidades; os valores recalculados são as probabilidades a posteriori. Seu teorema mostra como calcular a “probabilidade de ocorrência de um dado evento A, se outro evento B tiver ocorrido”; o que é conhecido como probabilidade condicional. Em geral, a “probabilidade de A ocorrer, dado que B tenha ocorrido” (representada como P(A|B) ), é diferente da “probabilidade de B ocorrer, dado que A tenha ocorrido” ( P(B|A) ). O teorema de Bayes mostra como calcular uma a partir da outra.
Cito um exemplo do livro “O Andar do Bêbado – Como o acaso determina nossas vidas”, de Leonard Mlondinow, no qual este texto está baseado. Mlondinow cita outros exemplos em seu livro, que mostram como o conhecimento (ou o desconhecimento) do teorema de Bayes pode ajudar (ou atrapalhar) julgamentos ou tomadas de decisão, em problemas diversos em nossas vidas. O autor cita casos baseados em fatos reais; eu porém, prefiro me inspirar em seus exemplos para, aqui no blog, relatar um deles generalizando-o, uma vez que, de fato, se aplica a quaisquer outros problemas semelhantes.
Digamos que uma pessoa receba resultado positivo de uma doença, e que a “probabilidade de que seja um falso positivo (ou seja, que o resultado acuse a doença quando a pessoa não a tem), seja muito baixa”; isto equivale à “probabilidade de que o exame dê positivo dado que o paciente não tem a doença” (chamemos esta de P(A|B) ). O médico informa ao paciente que ele teria uma “probabilidade muito baixa de não ter a doença”, baseado na probabilidade de falso positivo. Engano total... o médico confundiu a “probabilidade de que o exame dê positivo dado que o paciente não tem a doença” ( P(A|B) ), com a “probabilidade de que o paciente não tenha a doença dado o resultado foi positivo” ( P(B|A) ); ambas são diferentes. O médico deveria ter considerado a segunda probabilidade citada acima, dado que o exame havia sido positivo; ou seja, a probabilidade de que o paciente não tenha a doença deve ser avaliada condicionalmente ao evento “resultado positivo”. Neste exemplo, do livro citado acima, a “probabilidade de que o paciente não tenha a doença dado que o resultado havia sido positivo” ( P(B|A) ), era bastante elevada... ou seja, o paciente tinha grandes chances de não ter a doença, e de fato não tinha... apesar de ter sido desenganado pelo médico...
Que interessante, um pastor protestante do século XVIII resolve, - por puro gosto, ao que parece -, desenvolver uma teoria sobre probabilidade e estatística de tão grande importância. Ela ultrapassa o campo das ciências exatas, e afeta as nossas vidas, em diversos outros campos do conhecimento; desde o diagnóstico de doenças, até julgamentos... entre todas as outras situações onde haja a necessidade de tomada de decisão... Impressionante!
Segue imagem do Rev. Thomas Bayes.
Segue imagem do Rev. Thomas Bayes.
O mais preocupante de tudo isso, é saber que muitas das pessoas que vão, por vocação, para as áreas de humanas ou biomédica (ou fogem para lá, mesmo sem vocação, para se acharem livres da matemática, o que é mais triste...), dependem tanto de um teorema da área de probabilidade e estatística para o exercício de suas profissões... O maior problema de todos é que, ignorar este teorema, pode acarretar tantas decisões equivocadas ou injustas...
Bem, mais um caso de uma pessoa ligada a religião que contribuiu para as ciências. Espero que tenham gostado dessa história também!
Até a próxima!
Sobre o livro no qual eu me baseei para escrever este texto:
- Leonard Mlondinow, O Andar do Bêbado – Como o acaso determina nossas vidas, Zahar, 2009.
- Leonard Mlondinow, O Andar do Bêbado – Como o acaso determina nossas vidas, Zahar, 2009.
Segue também a referência do artigo original, já que está disponível online:
- Thomas Bayes, (comunicado à Royal Society por Price), “An Essay towards Solving a Problem in the Doctrine of Chances", Philosophical Transactions, Vol. 53, p. 370-418, 1763.