domingo, 13 de janeiro de 2013

Ciência: diálogo com outras áreas do conhecimento


Amigos,

Dia desses eu vi na internet, em um blog de divulgação científica, um texto que me deixou um tanto pensativo, pela forma equivocada de expor ideias a respeito do que seja ou não ciência, e pelos possíveis mal entendidos que poderia acarretar, haja visto que tratava-se de um blog dirigido ao público infanto-juvenil. O assunto merece uma reflexão, e um blog que trata sobre o diálogo entre ciência e fé não poderia ficar alheio ao fato.

A mensagem pretendia diferenciar ciência daquilo que seu autor denominou pseudo-ciência. É claro, sabemos que há mesmo pseudo-ciência por aí, e nós que temos atuação na área – seja em ciência básica ou em pesquisa aplicada –, precisamos ficar atentos e ajudar a esclarecer tais dúvidas.

Um problema muito sério com pseudo-ciência ocorre no campo da saúde, por exemplo. Sabemos que há tratamentos com base científica, aprovados pelos órgãos que regulam essas atividades – como o Conselho Federal de Medicina, e os conselhos regionais. Mas quanto a supostos tratamentos que ainda não tenham aprovação dos órgãos responsáveis, precisamos ter cuidado; não quer dizer que sejam errados, pois podem ser aprovados no futuro. Mas até que isso ocorra, é melhor não arriscar... Suponha que alguém, com alguma doença, procure um desses supostos tratamentos alternativos, que ainda não tem nenhum respaldo científico, ao invés de buscar um tratamento já reconhecido; e se tal  tratamento alternativo não surtir efeito nenhum? No mínimo, a pessoa não será curada, podendo mesmo piorar da doença; isso quando o suposto tratamento, ele mesmo, não causar um mal maior, como devido à administração de substâncias que façam mal às pessoas... Logo, precisamos nos precaver, para não sermos vítimas de charlatanismo.

Mas o blog ao qual eu me referi, tratou o “Design inteligente” como pseudo-ciência, quando a comparou com a teoria da evolução de Darwin, sendo esta sim, ciência... Deixem-me explicar com mais calma. Já tratamos aqui, nesse blog, sobre assuntos relacionados à criação – seja quanto à origem do universo, ou quanto à origem da vida –, assim como quanto à evolução das espécies. No que toca a origem e evolução da vida, todos nós já ouvimos coisas equivocadas quanto à teoria da evolução de Darwin e aquilo que a Igreja diz, jogando a Igreja contra a ciência, etc... Já comentei também que a Igreja não é, em princípio, contra a teoria da evolução das espécies, de Darwin – contanto que ela não seja usada para negar Deus e Sua ação criadora.

Aliás, precisamos ter claro, primeiro, que a teoria da evolução de Darwin não diz nada sobre Deus, porque as questões de fé não constituem seu campo de atuação – aliás, as questões relacionadas a Deus não pertencem mesmo ao campo de atuação da ciência, mas a extrapolam. Esta teoria explica (ou tenta explicar) como a vida teria evoluído, desde formas mais primitivas, até onde nos encontramos – inclusive a vida humana; não trata sobre razões da existência – que seria o campo de atuação da filosofia –, muito menos de questões de fé – que é campo da teologia.

A Igreja não nega que possa ter havido evolução das espécies. Nós não interpretamos as Sagradas Escrituras de forma literal... Não As temos como narrativas científicas sobre a criação do mundo ou da vida, mas como narrativas que contêm verdades de fé; e que não interferem nas questões científicas. Porém, nós temos a criação – tanto do mundo quanto da vida – como resultado da ação Divina, ou seja: obra de Deus Criador. Mas a Igreja não entra em detalhes sobre como ocorreu a criação do mundo ou da vida. Nós cremos que Deus agiu, criando o mundo e a vida; e no caso da vida, ainda atua (vejamos mais adiante).

Porém, além da teoria da evolução Darwiniana, há outra corrente de ideias onde supõe-se que houve intervenções diretas de Deus ao longo da criação; não apenas em um momento inicial: trata-se do “Design inteligente”. Claro que, por envolver tanto questões científicas quanto de fé, não se trata estritamente de ciência, mas de fruto do diálogo entre ciência e fé; ultrapassa o campo da ciência, adentrando pelo da fé. Mas isso não quer dizer que possa ser classificado como pseudo-ciência – com todas as consequências ruins que isso pode ter.

A ciência tem seus méritos e características próprias, como, por exemplo, o rigor exigido para o estabelecimento de suas teorias: estas devem passar pelo crivo da experimentação (ou, ao menos, da demonstração, no caso da matemática), que pode ratifica-las ou derrubá-las... Quem atua em ciência ou pesquisa sabe que busca-se também certa beleza ou elegância nas teorias: estas devem ser, de certa forma, concisas, e não cheias de “remendos”; neste último caso, quando começa-se a colocar remendos aqui e acolá para corrigir uma teoria, deve-se pensar se não é o caso de tentar uma abordagem nova... (isto ocorreu com a teoria geocêntrica, seus epiciclos, equantes e deferentes...). Apesar disso, por mais bela e elegante que seja uma teoria, se a experiência negá-la, deve-se também pensar em outra alternativa; de nada adianta uma teoria bela e elegante, se não corresponde à realidade...

Porém, a ciência possui também suas limitações: ela visa descrever como o mundo funciona, mas não responde às questões mais profundas que movem o ser humano, como: “de onde viemos?”, “qual nosso destino último?”, “por que existe algo ao invés de nada?”; ou seja, as razões da existência. Para estas últimas, precisamos alargar nossos horizontes para a filosofia; esta sim, busca respostas para as razões da existência. Claro que não há mais, aqui, o rigor da experimentação... Mas há ainda a lógica do pensamento e das proposições. Trata-se, também, de obra da razão humana em busca das respostas para tais questões mais profundas.

Ainda assim, a filosofia não é capaz de responder a questões como, por exemplo, o sofrimento ou a morte do inocente... Aí entra a fé; e também a teologia. Da Cruz de Cristo, temos a consolação, dado que Jesus, inocente, sofreu e foi morto injustamente; da Cruz brota a resposta do Amor, que supera todo o mal, até mesmo a morte, dada a Ressurreição de Cristo. A fé nos é dada por meio da Revelação Divina, em que o próprio Deus se revela a nós, naquelas questões que nossa razão, somente, não conseguiria alcançar. E aí, nossa fé é um assentimento a Deus, pois é digno de toda a confiança Aquele que Se revela!

Para nós, tanto faz se a ideia que melhor explica os fatos acerca da evolução da vida é a teoria da evolução de Darwin, o Design inteligente, ou qualquer outra teoria que venha surgir no futuro. O que nós temos certeza, conjugando razão com fé, é da ação Divina: Deus age! Agora, se Deus agiu somente no início da criação, a qual evoluiu segundo os Seus próprios desígnios que, em Sua Sabedoria infinita, planejou toda a criação e sua evolução; ou se Deus agiu também ao longo da criação, intervindo por vezes na criação ou evolução das espécies, para nós não é questão fundamental.

E, ultrapassando mais uma vez o campo de atuação da ciência, nós temos o ser humano como corpo e alma: uma realidade material e outra espiritual. Deus fez o homem do barro, soprando-lhe nas narinas; conforme uma das narrativas da criação no livro do Gênesis. Logo, Deus agiu, em determinado momento da história, infundindo uma alma humana naquele primata que era evoluído o suficiente para recebê-la; e continua agindo, dando o sopro da vida a cada fecundação humana!

Dados estes aspectos, chamar o Design inteligente – ou outra ideia que ultrapasse o campo puramente científico, para dialogar com outros saberes – de pseudo-ciência, trata-se de uma visão muito reducionista. Isso pode ser devido, no mínimo, à falta de informação quanto ao diálogo entre ciência, filosofia e teologia; porém, é com muito pesar que, por vezes, trata-se de um ataque direto à fé, por aversão a ela, simplesmente.

Lembremos que os padres cientistas do Observatório do Vaticano atuam frequentemente neste diálogo, entre ciência, filosofia e teologia – e possuem formação em todos esses campos do conhecimento. Porém eles fazem ciência verdadeiramente, conforme atestado por seus doutorados e publicações em revistas científicas; e, em certos momentos, estabelecem esse frutuoso diálogo com outros saberes.

Logo, há pseudo-ciência sim; mas não é esse o caso aqui. Não se pode “taxar” algo que constitui um diálogo entre saberes, como algo falso... Não é correto; não fica bem.

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