Amigos,
Dia desses
eu vi na internet, em um blog de divulgação científica, um texto que me deixou
um tanto pensativo, pela forma equivocada de expor ideias a respeito do que
seja ou não ciência, e pelos possíveis mal entendidos que poderia acarretar,
haja visto que tratava-se de um blog dirigido ao público infanto-juvenil. O
assunto merece uma reflexão, e um blog que trata sobre o diálogo entre ciência
e fé não poderia ficar alheio ao fato.
A mensagem
pretendia diferenciar ciência daquilo que seu autor denominou pseudo-ciência. É
claro, sabemos que há mesmo pseudo-ciência por aí, e nós que temos atuação na
área – seja em ciência básica ou em pesquisa aplicada –, precisamos ficar
atentos e ajudar a esclarecer tais dúvidas.
Um
problema muito sério com pseudo-ciência ocorre no campo da saúde, por exemplo.
Sabemos que há tratamentos com base científica, aprovados pelos órgãos que
regulam essas atividades – como o Conselho Federal de Medicina, e os conselhos
regionais. Mas quanto a supostos tratamentos que ainda não tenham aprovação dos
órgãos responsáveis, precisamos ter cuidado; não quer dizer que sejam errados,
pois podem ser aprovados no futuro. Mas até que isso ocorra, é melhor não
arriscar... Suponha que alguém, com alguma doença, procure um desses supostos
tratamentos alternativos, que ainda não tem nenhum respaldo científico, ao
invés de buscar um tratamento já reconhecido; e se tal tratamento alternativo não surtir efeito
nenhum? No mínimo, a pessoa não será curada, podendo mesmo piorar da doença;
isso quando o suposto tratamento, ele mesmo, não causar um mal maior, como devido
à administração de substâncias que façam mal às pessoas... Logo, precisamos nos
precaver, para não sermos vítimas de charlatanismo.
Mas o blog
ao qual eu me referi, tratou o “Design
inteligente” como pseudo-ciência, quando a comparou com a teoria da evolução de
Darwin, sendo esta sim, ciência... Deixem-me explicar com mais calma. Já
tratamos aqui, nesse blog, sobre assuntos relacionados à criação – seja quanto
à origem do universo, ou quanto à origem da vida –, assim como quanto à
evolução das espécies. No que toca a origem e evolução da vida, todos nós já
ouvimos coisas equivocadas quanto à teoria da evolução de Darwin e aquilo que a
Igreja diz, jogando a Igreja contra a ciência, etc... Já comentei também que a
Igreja não é, em princípio, contra a teoria da evolução das espécies, de Darwin
– contanto que ela não seja usada para negar Deus e Sua ação criadora.
Aliás, precisamos
ter claro, primeiro, que a teoria da evolução de Darwin não diz nada sobre
Deus, porque as questões de fé não constituem seu campo de atuação – aliás, as
questões relacionadas a Deus não pertencem mesmo ao campo de atuação da ciência,
mas a extrapolam. Esta teoria explica (ou tenta explicar) como a vida
teria evoluído, desde formas mais primitivas, até onde nos encontramos –
inclusive a vida humana; não trata sobre razões da existência – que seria o
campo de atuação da filosofia –, muito menos de questões de fé – que é campo da
teologia.
A Igreja
não nega que possa ter havido evolução das espécies. Nós não interpretamos as
Sagradas Escrituras de forma literal... Não As temos como narrativas
científicas sobre a criação do mundo ou da vida, mas como narrativas que contêm
verdades de fé; e que não interferem nas questões científicas. Porém, nós temos
a criação – tanto do mundo quanto da vida – como resultado da ação Divina, ou
seja: obra de Deus Criador. Mas a Igreja não entra em detalhes sobre como
ocorreu a criação do mundo ou da vida. Nós cremos que Deus agiu, criando o
mundo e a vida; e no caso da vida, ainda atua (vejamos mais adiante).
Porém, além
da teoria da evolução Darwiniana, há outra corrente de ideias onde supõe-se que
houve intervenções diretas de Deus ao longo da criação; não apenas em um
momento inicial: trata-se do “Design
inteligente”. Claro que, por envolver tanto questões científicas quanto de fé,
não se trata estritamente de ciência, mas de fruto do diálogo entre ciência e
fé; ultrapassa o campo da ciência, adentrando pelo da fé. Mas isso não quer
dizer que possa ser classificado como pseudo-ciência – com todas as
consequências ruins que isso pode ter.
A ciência
tem seus méritos e características próprias, como, por exemplo, o rigor exigido
para o estabelecimento de suas teorias: estas devem passar pelo crivo da
experimentação (ou, ao menos, da demonstração, no caso da matemática), que pode
ratifica-las ou derrubá-las... Quem atua em ciência ou pesquisa sabe que
busca-se também certa beleza ou elegância nas teorias: estas devem ser, de
certa forma, concisas, e não cheias de “remendos”; neste último caso, quando
começa-se a colocar remendos aqui e acolá para corrigir uma teoria, deve-se
pensar se não é o caso de tentar uma abordagem nova... (isto ocorreu com a
teoria geocêntrica, seus epiciclos, equantes e deferentes...). Apesar disso, por
mais bela e elegante que seja uma teoria, se a experiência negá-la, deve-se
também pensar em outra alternativa; de nada adianta uma teoria bela e elegante,
se não corresponde à realidade...
Porém, a
ciência possui também suas limitações: ela visa descrever como o mundo
funciona, mas não responde às questões mais profundas que movem o ser humano,
como: “de onde viemos?”, “qual nosso destino último?”, “por que existe algo ao
invés de nada?”; ou seja, as razões da existência. Para estas últimas,
precisamos alargar nossos horizontes para a filosofia; esta sim, busca
respostas para as razões da existência. Claro que não há mais, aqui, o rigor da
experimentação... Mas há ainda a lógica do pensamento e das proposições.
Trata-se, também, de obra da razão humana em busca das respostas para tais
questões mais profundas.
Ainda
assim, a filosofia não é capaz de responder a questões como, por exemplo, o
sofrimento ou a morte do inocente... Aí entra a fé; e também a teologia. Da
Cruz de Cristo, temos a consolação, dado que Jesus, inocente, sofreu e foi
morto injustamente; da Cruz brota a resposta do Amor, que supera todo o mal,
até mesmo a morte, dada a Ressurreição de Cristo. A fé nos é dada por meio da
Revelação Divina, em que o próprio Deus se revela a nós, naquelas questões que
nossa razão, somente, não conseguiria alcançar. E aí, nossa fé é um
assentimento a Deus, pois é digno de toda a confiança Aquele que Se revela!
Para nós,
tanto faz se a ideia que melhor explica os fatos acerca da evolução da vida é a
teoria da evolução de Darwin, o Design
inteligente, ou qualquer outra teoria que venha surgir no futuro. O que nós
temos certeza, conjugando razão com fé, é da ação Divina: Deus age! Agora, se Deus
agiu somente no início da criação, a qual evoluiu segundo os Seus próprios desígnios
que, em Sua Sabedoria infinita, planejou toda a criação e sua evolução; ou se
Deus agiu também ao longo da criação, intervindo por vezes na criação ou
evolução das espécies, para nós não é questão fundamental.
E, ultrapassando
mais uma vez o campo de atuação da ciência, nós temos o ser humano como corpo e
alma: uma realidade material e outra espiritual. Deus fez o homem do barro,
soprando-lhe nas narinas; conforme uma das narrativas da criação no livro do
Gênesis. Logo, Deus agiu, em determinado momento da história, infundindo uma
alma humana naquele primata que era evoluído o suficiente para recebê-la; e
continua agindo, dando o sopro da vida a cada fecundação humana!
Dados estes
aspectos, chamar o Design inteligente – ou outra ideia que ultrapasse o campo
puramente científico, para dialogar com outros saberes – de pseudo-ciência, trata-se
de uma visão muito reducionista. Isso pode ser devido, no mínimo, à falta de
informação quanto ao diálogo entre ciência, filosofia e teologia; porém, é com
muito pesar que, por vezes, trata-se de um ataque direto à fé, por aversão a
ela, simplesmente.
Lembremos
que os padres cientistas do Observatório
do Vaticano atuam frequentemente neste diálogo, entre ciência, filosofia e
teologia – e possuem formação em todos esses campos do conhecimento. Porém eles
fazem ciência verdadeiramente, conforme atestado por seus doutorados e
publicações em revistas científicas; e, em certos momentos, estabelecem esse
frutuoso diálogo com outros saberes.
Logo, há pseudo-ciência
sim; mas não é esse o caso aqui. Não se pode “taxar” algo que constitui um
diálogo entre saberes, como algo falso... Não é correto; não fica bem.
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