Caros amigos,
Senti necessidade de tocar no assunto do título deste texto: sobre as consequências das descobertas científicas em nossas vidas. Gostaria de compartilhar esta reflexão.
É notório que grandes empreendimentos de interesse puramente científico, costumam trazer “a reboque” diversos avanços em termos de desenvolvimento tecnológico, revertendo em benefícios para nosso dia-a-dia; apesar disto não parecer tão claro, em um primeiro momento. Às vezes nos deparamos com pessoas questionando a respeito dos investimentos feitos para a realização de pesquisas que, em princípio, teriam interesse somente para a ciência pura, ou seja, para o entendimento da natureza, mas que parecem não impactar em nossa vida quotidiana; questiona-se se, e em que, tanto investimento seria útil à sociedade...
Ultimamente, temos visto notícias a respeito do CERN e da busca pelo bóson de Higgs. Foram bilhões de Euros investidos na construção do acelerador atual, o LHC – o Grande Colisor de Hádrons –, um túnel de cerca de 27 km, a 100 m abaixo do solo, na fronteira entre a Suíça e a França, com todo o aparato tecnológico envolvido. Alguns poderiam questionar sobre os custos elevadíssimos da realização deste grande empreendimento, sobre a mobilização tantos especialistas, e tanto tempo dedicado ao desenvolvimento e construção destes grandes laboratórios. Tudo isto desenvolvido e construído com o objetivo de se descobrir partículas subatômicas, e confirmarem ou aperfeiçoarem leis da física. E vêm as perguntas: O que isto traz de útil à sociedade...? Em quem todo este investimento irá melhorar nossas vidas...?
Claro que, conforme eu comentei no segundo parágrafo, deve ser levado em conta sim, que grandes empreendimentos como este geram também muitos desenvolvimentos tecnológicos, como consequência; muitas vezes é necessário desenvolver novas tecnologias – não existentes no momento inicial do empreendimento científico – para atender às necessidades dos experimentos. Citando o CERN, temos um exemplo claríssimo de consequências úteis à sociedade: o protocolo “www”, que tanto usamos para nos comunicar pela internet, foi criado pelo pessoal do CERN, como uma necessidade para manter tantos pesquisadores, de tantas partes do mundo, em contato! Vejam que maravilha! Algo que não existia inicialmente, e que foi desenvolvido como uma necessidade de um experimento puramente científico, hoje reverte-se para a sociedade, mostrando tamanha utilidade! Como nossas vidas são afetadas por estes desenvolvimentos! Outros exemplos envolvem os métodos de análise desenvolvidos e provados para as tarefas árduas de se identificar partículas subatômicas extremamente fugazes nos experimentos de física de altas energias! Estes métodos são reutilizados para diversas outras aplicações, para tarefas de reconhecimento de padrões em outros campos do conhecimento, inclusive no campo da saúde.
Mas será que devemos justificar a grande importância destes gigantescos empreendimentos científicos, apenas pelas consequências que vemos, depois da empreitada, em termos de desenvolvimentos tecnológicos? Devemos avaliar a importância destas pesquisas científicas somente pela utilidade prática que os métodos e técnicas desenvolvidos têm hoje em nossas vidas? Devemos ser tão pragmáticos a ponto de nos preocuparmos apenas com as aplicações práticas, e somente com aquilo que nos é útil...?
É uma maravilha que haja todo este desenvolvimento tecnológico “a reboque” dos desenvolvimentos científicos! Mas precisamos vislumbrar além... O ser humano tem essa sede de conhecimento, que o move desde a antiguidade! Não trata-se apenas de desenvolver coisas úteis à sociedade... trata-se de nos aventurarmos nesta grande jornada, que é tentar desvendar os mistérios da natureza! Mesmo que estes grandes empreendimentos científicos – como as construções dos aceleradores de partículas no CERN, incluindo o LHC –, não revertessem em nenhum desenvolvimento tecnológico (e sempre revertem!), ainda assim se justificariam perfeitamente! Nem sempre as coisas precisam ter utilidade prática, imediatista, para serem importantes! Ainda que o único resultado de tudo isto fosse apenas conhecimento, valeria a pena, sempre!
Creio que haja uma explicação para esta necessidade de questionar sobre as consequências dos experimentos em física, em termos de desenvolvimento tecnológico. Provavelmente é devido ao fato de as teorias científicas parecerem, em princípio, algo muito distante da realidade, ou da vida das pessoas do público em geral; parece algo que só interessa aos cientistas. Mas na verdade, a aventura de buscar conhecimento e desvendar a natureza, diz respeito a toda a humanidade, de todos os tempos! Onde estaríamos agora, se o ser humano nunca tivesse buscado entender o mundo à sua volta? Estaríamos achando que o mundo seria resumido somente à Terra...? Hoje sabemos o quanto o universo é vasto! E foi uma descoberta feita aos poucos: sistema solar, galáxia, depois descobriu-se que havia mais galáxias, hoje se fala sobre aglomerados de galáxias! Conheceríamos o corpo humano como o conhecemos hoje...? Seríamos capazes de diagnosticar e tratar tantas doenças como fazemos...?
Isto mostra a importância da ciência pura! Mostra também a necessidade de uma boa divulgação científica, de modo a mostrar para o público em geral – de preferência desde cedo, na infância – a beleza da aventura do conhecimento, independente de ter ou não desenvolvimento tecnológico envolvido. Talvez ninguém mais questione, no futuro, se é ou não importante autorizar verbas para instituições e empreendimentos científicos, ainda que eles visem apenas ao conhecimento puro... Uma boa divulgação científica certamente despertaria no público em geral esse “maravilhar-se” com os mistérios da natureza, e com a beleza e a importância da aventura em tentar desvendá-la...
Em última análise, todo ser humano tem esta necessidade de questionar acerca dos grandes mistérios que nos rondam desde que o ser humano existe: “Quem somos...?”, “De onde viemos...?”, “Qual a razão última da existência...?”. Estes questionamentos movem não somente a ciência, mas também a filosofia. E para nós, que conjugamos ciência/razão com fé, ainda há a questão da religião e da fé – complementar à da razão (a qual inclui a ciência) – que contribui na resposta a estes questionamentos; quando a razão – movimento do ser humano em tentar entender as razões da existência – não consegue mais avançar em dar respostas satisfatórias a todos os nossos questionamentos, a fé – pela Revelação Divina – nos indica a razão e o fim últimos...
4. “Impelido pelo desejo de descobrir a verdade última da existência, o homem procura adquirir aqueles conhecimentos universais que lhe permitam uma melhor compreensão de si mesmo e progredir na sua realização. Os conhecimentos fundamentais nascem da maravilha que nele suscita a contemplação da criação(...) Parte daqui o caminho que o levará, depois, à descoberta de horizontes de conhecimentos sempre novos. Sem tal assombro, o homem tornar-se-ia repetitivo e, pouco a pouco, incapaz de uma existência verdadeiramente pessoal.”
25. “ ‘Todos os homens desejam saber’1, e o objeto próprio desse desejo é a verdade.”
1Aristóteles, Metafísica, I, 1.
21. “E a força para continuar o seu caminho rumo à verdade provém da certeza de que Deus o criou como um ‘explorador’ (cf. Ecl 1,13),...”
Logo, amigos, como exploradores, sempre caminhamos na busca pelo conhecimento; busca que se torna mais completa quando conjugamos ciência/razão com fé.
Espero ter ajudado!
Para consultar:
- Carta Encíclica
Fides et Ratio do Sumo Pontífice João Paulo II aos Bispos da Igreja Católica sobre as Relações entre Fé e Razão, 1998. Publicado no Brasil pela
Paulinas, disponível também
online no
site do
Vaticano.